[Coluna] Eu indico - A Ladeira - Jonas Matos





Mais uma coluna nova sendo lançada por aqui.  E nessa, nós vamos indicar alguma leitura interessante que fizemos e gostamos muito. Poderá ser um conto, livro (mesmo aqueles que não resenhamos), poema, crônica, texto e etc.

A primeira indicação é de um conto que um escritor baiano nos enviou. Eu gostei demais, eu me diverti muito com o modo dele escrever. Eu, como baiano, me identifiquei rapidamente com as falas, os locais citados e a história super engraçada. Espero que gostem.

O pseudônimo dele é Jonas Matos e ele não quis se identificar com o nome verdadeiro nem pelas redes sociais. Apenas enviou os contos pelo e-mail. Conforme breve troca de e-mails, ele nunca teve um livro publicado, mas também nunca tentou. Diz que é taxista e está escrevendo uma série de contos baseados em histórias reais de passageiros que ele transporta. 

Quem quiser entrar em contato, ele só deixou e-mail:

jonasmatosescritor@gmail.com

Leia e se divirta. Depois me digam o que acharam.


A Ladeira - Jonas Matos


Meu nome é Jonas, mas meus colegas de profissão me chamam de "Índio", claro, por causa da cor de minha pele. A propósito, sou taxista, e infelizmente não posso dizer qual é meu alvará, a história que vou contar agora é real, e por mais que seja verdadeira, alguns podem se ofender.

Era um dia de quarta-feira, umas 15:00, quando meu celular tocou, no identificador de chamadas, vi que era meu chefe, na verdade, não meu chefe de verdade, mas, o canguinha dono dessa lata branca com listras vermelhas e azuis. Sou diarista desse táxi, e ele me liga todo dia cobrando o dinheiro da semana passada, que eu sempre atraso, é verdade. Hoje não seria diferente

-Fala seu vagabundo, cadê o meu dinheiro? -esbravejou ele, ao mesmo tempo, rindo.

-Vagabundo é você seu descarado, estou aqui na bruxa procurando passageiros. - apesar de tudo, temos uma relação íntima.

-Rapaz, não quero saber não, vá chorar no pé do caboclo. Só porque eu gosto demais de você e da sua irmã, que é maaaaaaassa, eu vou te dá o canal de hoje. Vá para o Aeroporto, lá tá rolando muitas corridas.

-Minha irmã não é pro seu bico não, safado. E o Aeroporto deve tá "barril" hoje. Quarta-Feira? Só deve ter os pé-rapado querendo ir para o Iguatemi por vinte conto. Vô nada lá.

-Rapaz, tô dando a ideia cheque, lá tá massa, cheio de gringo querendo conhecer o Pelourinho.

-Tá, tá, não tenho nada a perder mesmo, estou aqui na Paralela, vou para o Aero.

-Vá lá, só não esqueça minha tinta.

-Seu dinheiro só sexta-feira, fui!


Desliguei na cara do canguinha e apertei o passo. O calor tava de rachar e o ar-condicionado estava meio "barriado". Liguei o rádio, Márcio Vitor cantava dizendo que na encosta da favela tá difícil de viver. Apesar de eu não morar na encosta, eu concordo com ele. Mas o que me chamou a atenção foi um bando de gente vestido de branco acenando para meu táxi. De longe, não identifiquei, mas ao chegar mais perto percebi que era o pessoal do Camdomblé. Bom, eu não tenho preconceito nenhum contra eles, mas não é tão confortável transportar quatro pessoas com mais meio mundo de balaios enormes. Bom, nas condições que estou, não posso está escolhendo passageiros. Parei bem perto deles e fiz questão de abrir as portas.

-Boa tarde.

-Boa tarde abençoado. Oxalá meu pai. Finalmente uma benção parou para nós. Nenhum "taxieiro" queria para a gente. -eu quis corrigir e dizer: "taxista". Mas deixei pra lá

-Tudo bem senhora, vou fazer a corrida de vocês sem problemas.

Apesar do grande trabalho que deu, arrumamos tudo certinho e por fim, até que foi rápido.

-Para aonde iremos, senhora?

-Paralela, "taxieiro", e precisamos ir rápido.

-Irei o mais rápido que puder. -Menti.

Liguei o taxímetro na bandeira 2 e partimos na velocidade da pista.

-Esse Márcio Vitor é abençoado, filho de Oxum. -Expressou a senhora, esfregando as mãos como se fosse jogar búzios.

-Que massa.  -na verdade eu não via nada de massa naquilo.

-No Carnaval ele vai fazer o maior sucesso, com fé em Oxum.

-É né? Tomara. Para onde vocês vão levar essas macumbas? -uma tentativa de me enturmar.

-Êpa!!! Macumba não! OFERENDAS! -senti a raiva nas palavras

- Oxente, desculpa aí senhora, relaxe. É que todo mundo fala macumba.

-Mas é oferenda! Aprenda a respeitar a religião dos "ôto". -mais calma nessa hora.

-Desculpa senhora.

-Aumenta o som aí que agora eu quero ouvir Xandinho.


Enquanto Xandy falava da "paradinha" que sinceramente, eu nem sabia o que era, mas ele dizia que "não comia nada e topava qualquer parada". Eu também "topava qualquer parada" e lá estava eu, transportando a oferenda dos deuses. Segui a Av. Paralela direto, até que ela falou:

-Vira aí na próxima a direita, abençoado.

Nesse momento, eu tremi na base, sabia que o bairro era "barril" e que o "bicho pegava" lá. Sabe onde é? Ali, pertinho do Bompreço, Bairro da Paz meu rei, um dos bairros mais perigosos da cidade (Você duvida? Então busque por notícias desse bairro aí no Google) . Mas fazer o quê, né?

-Nessa rua aqui, senhora?

-Essa aí mesmo meu "fio".

Depois de virar em várias "quebradas", muitas delas sem asfalto, parei bem frente a um morro de barro molhado bem grande, puxei o freio de mão.

-O que foi meu "fio"?

-Chegamos, não?

-Não meu "fio", tem que subir essa ladeira?

Na hora pensei que ela tava tirando onda com a minha cara, mas depois de alguns segundos sem eu responder, ela falou.

-Vamos meu "fio", estamos atrasados.

-Mas senhora, meu carro não sobe essa ladeira, ela tá muito barrenta. -era verdade, meu Corsa 1.0 não conseguiria subir.

-Sobre sim! Sobe que Xangô ajuda.

-Não dá não senhora, é muito escorregadio.

-SOBE QUE XANGÔ AJUDA! SOBE QUE XANGÔ AJUDA! SOBE QUE XANGÔ AJUDA...

Depois que ela repetiu umas trezentas vezes, eu baixei o freio de mão, engatei a primeira e acelerei com tudo. Na verdade, só fiz isso para ela parar de gritar em meu ouvido. O Corsa, começou subindo devagar, cantando pneu e o motor gritando muito, uns 20 metros depois, começou a vacilar, dançando para um lado e para o outro.

-SOBE QUE XANGÔ AJUDA! SOBE QUE XANGÔ AJUDA....

O cheiro da embreagem queimada bateu no nariz, a raiva já tava estalando em minha cabeça, já sentia o prejuízo coçando meu bolso. Acelerei mais e mais, o carro continuava dançando e subindo devagar. Até eu, com mais de vinte anos rodando táxi, estava com medo.

-SOBE QUE XANGÔ AJUDA! SOBE QUE XANGÔ AJUDA....

Eu já tava com vontade de mandar ela e Xangô para o inferno juntos, era meu carro que estava se estragando ali. Acelerei mais, e mais, e mais. Depois de uns 5 minutos lutando contra a ladeira, chegamos até o topo. Eu estava vermelho de raiva, na bruxa, e eles, brancos de alegria por ter chegado ao destino.

-Eu não disse que Xangô ajudava? Eu falei, abençoado. -na verdade, eu confiava era no meu Corsa.

-É né? Ajudou a queimar minha embreagem.

-O quê, "fio"? -acho que ela não sabia o que era a embreagem.

-Nada não tia. A corrida deu vinte conto.

-Ai meu "fio", acho que só tenho 15 conto aqui. Tome aí, e que Xangô ajude você a descer essa ladeira em em segurança.

Peguei meus 15 conto, mas a vontade era de esfregar na cara dela. Pelo menos minha Schin de noite tava garantida, quando eu fosse para o "Barraquistão" vê o meu Leão brocar o Jahia de Feira. Liguei o carro, e quando já ia partindo, a mãe-de-santo pegou no meu braço pela janela.

-Ô abençoado, fique com isso aqui, uma lembrancinha do terreiro.

Era um "bonequinho" de xangô, todo vestido de vermelho e com dois machados na mão.

-Obrigado senhora, muito bonito. -menti pela segunda vez naquele dia.

Parti a mil daquele lugar macabro descendo a ladeira com o cuidado de um cirurgião. Enquanto descia, não tirava o olho daquele bonequinho. A culpa era dele por eu estar naquele "barril".

Voltei a Av. Paralela e segui sentido Aeroporto. Porém, algo me interrompeu, primeiro era um barulho a cara 50 metros, e o barulho foi diminuindo, a cada 40 metros, 30, 20. Olhei pelo retrovisor, um líquido preto pingava debaixo do carro, deixava um rastro na pista. Inferno! Minha sorte era que logo a frente tinha uma oficina mecânica (aqui em Salvador tem trinta oficinas em cada quadra), parei e deixei o mecânico conferir.

Enquanto isso, eu liguei pra minha nega.

-E aí neguinha? Tem o quê pra jantar hoje?

-Feijão com josefina frita.

-Ô delícia, pena que vou chegar tarde hoje, vou para o jogo do Vitória.

-Então durma por lá mesmo, com suas piriguetes. Nem me apareça aqui. -e desligou em minha cara.

Eita mulher problemática, viu? Mas depois de um dia daqueles, não tinha como não extravasar a raiva tomando uma gelada.

Fui até o mecânico e o diagnóstico foi "brabíssimo".

-É seu Jonas, a embreagem está muito danificada e o tanque de óleo furou. Provavelmente alguma pedra foi jogada com força pelo pneu. Você fez algum Rally hoje? -até me impressionei, ele falou tudo isso sem errar uma palavra, coisa rara entre os mecânicos daqui.

-É cara, quase isso. Quanto vai custar esse estrago?

-Pra você, só R$250,00.


Se arrependimento matasse, eu estaria morto e enterrado agora mesmo. Mas a culpa não era minha. A corrida que me rendeu a mixaria de 15 conto, agora me trazia um prejuízo de 250. Corri para dentro do táxi, peguei Xangô com toda a raiva que um homem com dívidas a pagar tinha e o arremessei lá no meio dos matos, com toda a força que eu tinha. Ele atravessou os céus sem nuvens de Salvador e nem vi onde pousou. Com toda a voz que eu podia expressar, gritei a plenos pulmões:

-VOA QUE XANGÔ AJUDA!


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