[ENTREVISTA] Matilda Wright

Matilda Wright nasceu em Londres, em 1968. Estudou Literatura Inglesa em Cambridge e vive com o marido na região de Cúmbria, no norte da Inglaterra, onde criam cavalos. Têm quatro filhos que, de vez em quando, também vivem na mesma casa.

Paris, 1854. Paris fervilha com festas (os famosos bailes da alta sociedade) e os casamentos arranjados, tudo por fortuna e poder. Os clubes masculinos e bordeis de luxo, são palcos para disputas políticas e econômicas... Além, é claro, dos jogos de azar e sexo. E é nesse cenário que o romance, Aposta Indecente, de Matilda Wright se passa. (Resenha do livro AQUI.)

A história do romance é boa, mas o que mais intriga é a autora. Matilda Wright é um pseudônimo, de origem inglesa, a autora resolveu permanecer no anonimato, já que é uma pessoa relativamente conhecida em seu país – com certeza, por algo que não seja relacionado à literatura. Motivos à parte, o mais curioso é que o livro foi primeiramente lançado em Portugal, depois no Brasil e nos dados catalográficos não há título original em inglês e nem tradutor para a obra, o que leva à especulação de que a autora é na verdade portuguesa.


[BLOG] Olá, Matilda! Obrigada por conceder essa pequena entrevista ao blog. Na internet há muitas especulações sobre quem você é, de onde você vem. Qual sua opinião sobre as especulações sobre sua origem?
[MATILDA] Acho muito divertido! Para dizer a verdade, nunca me passou pela cabeça que isso pudesse acontecer. Não imaginei que os leitores se interessassem pela autora. Nunca pensei publicar nenhum dos livros que escrevi, escrevi sempre só para me divertir e só as minhas amigas mais íntimas é que os liam. Na minha família há um nome conhecido na literatura inglesa e eu nunca tive coragem de levar nenhum dos meus livros a um editor porque esse fato eram muito inibidor. Sempre achei que iriam publicar meus livros não pela sua qualidade mas para ‘pegarem carona’ da fama dessa pessoa. E isso me parecia injusto e bem desconfortável. 
Mas uma dessas minhas amigas é prima de uma pessoa que trabalha na Leya Portugal e foi assim, através dela, que um dos meus livros chegou à editora e me convenceram a publicar. Nessa altura, fiquei muito envergonhada. Pensei: “Não quero que ninguém saiba quem eu sou” e decidi arranjar um pseudônimo. E cada vez mais acho que fiz bem, o livro teve ótimos resultados em Portugal e está tendo ótimos resultados no Brasil por ele próprio e não por causa de quem eu possa ser. Mas nunca me passou pela cabeça que houvesse tanto interesse em saberem quem eu sou. As pessoas até acham que sou portuguesa. LOL Muito divertido! A editora faz um trabalho ótimo, traduz tudo o que sai nos blogs e me manda e eu rio bastante quando leio o que dizem sobre mim. Mas garanto-lhe que, na minha biografia, só o meu nome foi inventado. O resto é tudo verdade.

[BLOG] O que lhe inspirou a se tornar uma escritora de romances de época?
[MATILDA] Meu pai era professor de História em uma universidade e um apaixonado pelo seu trabalho. Então, cresci no meio da História, a ouvir as conversas dele com os alunos, com os colegas e mesmo conosco, comigo e com meus irmãos, ele falava muito sobre isso. A História interessou-me desde criança.

[BLOG] Aposta Indecente é um stand alone (?!). Você pretende transformar em série, já que Villaclaire possui amigos libertinos?
[MATILDA] Eu disse que era um stand alone? Como você mesma falou, e com razão, o Marquês de Villeclaire tem muitos amigos e a gente quer saber as histórias deles. Certo? Tem mais livros nessa série, sim. :)

[BLOG] Romances de época demandam bastante pesquisa, sobre como eram os bailes, o tipo de vestimenta, como a mulher era retratada naquela época. Como foi seu processo de pesquisa?
[MATILDA] Uma das áreas de investigação de meu pai era o período do Império, na França. Então, durante a infância e a juventude, nas férias de verão, íamos sempre para a França e visitávamos muitos lugares relacionados com esse período. E meu pai explicava-nos tudo em pormenores. Todos nós ficávamos sabendo tudo sobre o Império francês: política, guerras, alianças, costumes, moda. Era como se tivéssemos vivido naquele tempo. Eu e meus irmãos até costumávamos brincar e quando nos referíamos a Napoleão e à mulher dele, dizíamos sempre: “tia Josefina” e “tio Napoleão”. Foi numa dessas viagens à França, ao Vale do Loire, que eu fiquei sabendo da história da verdadeira Catherine, uma aristocrata de 17 anos, que viveu ali no século XIX e que se suicidou, saltando de uma janela do castelo onde morava, quando descobriu que o pai ia casá-la com um homem muito mais velho que ela nem conhecia. O pai de Catherine tinha perdido tudo no jogo e, dando a filha em casamento, a dívida astronômica seria perdoada. Essa história me impressionou muito. Na altura eu também tinha 17 anos e não conseguia esquecer a atitude dramática e corajosa daquela menina. Três anos depois eu continuava a pensar naquela moça e decidi que precisava lhe dar uma segunda vida, em que ela não tivesse de se matar e tivesse um final feliz. Por isso, escrevi Aposta Indecente. Foi o primeiro livro que escrevi, quando tinha 20 anos e ficou outros 20 e tal anos guardado em uma gaveta. Mas gostei tanto da experiência que nunca mais parei de escrever.
Mas sim, voltando à sua pergunta inicial, acho que um romance histórico requer muita investigação. Mas, no meu caso, hoje arrependo-me de ter sido tão fiel à época e à mentalidade daquele tempo porque alguns leitores acharam que havia pouco romance entre Catherine e Villeclaire. Naquele tempo as pessoas não casavam por paixão. Os pobres casavam para terem filhos, porque seriam mais braços para trabalhar e, assim, mais renda para a família. E os ricos casavam entre si para aumentarem o patrimônio e perpetuarem seus títulos de nobreza ou seus privilégios. Foi Hollywood que inventou essa história das grandes paixões, como muito bem explica o escritor mexicano Octávio Paz num notável ensaio sobre o assunto. Na época, a paixão era uma coisa diferente, não tinha nada a ver com casamento. Casamento era negócio. A paixão se resolvia nas relações fora do casamento. No século XIX as mulheres, na Europa, casavam com quem o pai decidia e as que ousavam discordar só tinham duas opções: o suicídio ou o convento. Eram praticamente escravas, primeiro dos pais e depois dos maridos. 
Aprendi muito com as críticas dos leitores e os meus próximos livros serão menos fiéis à época e mais “apaixonados”, prometo! Mas também prometo continuar a investigar muito e a só escrever sobre épocas e países que conheço profundamente, porque hoje todo mundo escreve romance histórico e sai cada bobagem… Nossa!

[BLOG] Já pensou em escrever romance contemporâneo? Algo no estilo new adult ou bem picante?
[MATILDA] Já pensei e já escrevi alguns. E isso também me faz pensar que é bom escrever com pseudônimo. Minha família vive em uma pequena aldeia da Cúmbria, no norte de Inglaterra, onde a mentalidade das pessoas não é muito aberta. Se soubessem que a autora era eu, já imaginou o silêncio que se faria todas as vezes que o meu marido entrasse no pub daqui? E, quando eu fosse na mercearia, a senhora da loja ia olhar para mim com aquela cara de “então, é isso que você faz com seu marido, grande descarada?!”. LOL 
É melhor mesmo que ninguém saiba quem eu sou. Me sinto mais livre para escrever.

[BLOG] Até agora, você publicou apenas um livro. Gostaria de dar algum conselho para os escritores que estão começando agora?
[MATILDA] Talvez fazerem tudo o que eu não fiz, por ignorância: um blog, perfil no Goodreads, página no Facebook, muito diálogo com os leitores. A Leya Portugal querer publicar o meu livro foi uma surpresa tão grande que me limitei a assinar o contrato e não fiz nada disso. Hoje, reconheço que é importante, os leitores gostam. Criam-se laços mais fortes com os nossos livros. Já pedi ajuda aos meus filhos, que entendem mais disso do que eu, mas sem grande resultado. Os meninos sempre estão muito ocupados com a vida deles.  Acho que vou ter de contratar alguém para me ajudar. 

[BLOG] Pode nos contar quais livros/autores não podem faltar na sua estante?
[MATILDA] Há milhares de livros na minha casa. Até nos banheiros há estantes com livros. Somos seis leitores compulsivos. E é difícil responder à sua pergunta, mas alguns de meus autores preferidos são Jane Austen, William Shakespeare, William Thackeray, Charles Dickens, Nick Hornby, Martin Amis, Hanif Kureishi, Tom Wolf, Gabriel García Marques, Sophia Kinsella e Philippa Gregory, é claro. Ela sim, sabe como escrever um romance histórico. É meu ídolo! Sempre leio e releio Agatha Christie e Sir Arthur Conan Doyle. Infelizmente, não conheço muito a literatura brasileira mas aqui em casa tenho — e os li há mais de 10 anos — Dona Flor and her Two Husbands (Dona Flor e Seus Dois Maridos) e Gabriela: Clove and Cinnamon (Gabriela Cravo e Canela), de Jorge Amado. Ler esses livros me deu muita vontade de conhecer a Bahia. Já fui cinco vezes, com meu marido, e conhecemos lugares fantásticos: Salvador, Cachoeira, Ilhéus, Itabuna, Trancoso, Arraial d’Ajuda. Descobri um Brasil bem diferente das imagens do Carnaval do Rio de Janeiro que a gente vê todo o ano nos jornais e na tevê. Mas quero muito conhecer o Rio de Janeiro. Adoro viajar, ficar dois ou três meses num país diferente e conhecer as pessoas e os lugares que os turistas jamais têm tempo de conhecer em suas viagens supersónicas de hoje.

Muito obrigada pelas suas perguntas, Natália.

PS: Gostaria de agradecer à Maria João Vieira por me dar opção de receber a entrevista original, em inglês, ou traduzido. O que agilizou bastante minha vida, rs. Muito Obrigada!

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