Estava um pouco preocupado, antes de começar de ler esse livro. É aquela coisa de haver muita agitação em torno do lançamento (o livro de estreia da editora Saída de Emergência Brasil), além dos elogios nas redes sociais e promessas de leitura segura e incondicional nos blogs literários. Isso sempre me deixa com um pé atrás. Havia ainda a aura de clássico, já que a Saga do Mago, cujo primeiro livro é exatamente Mago: Aprendiz (Editora Saída de Emergência, 2013) foi considerado pela BBC um dos 100 melhores livros já escritos, estando na companhia de nomes inquestionáveis do gênero, como Terry Pratchett, Neil Gaiman e, claro, J. R. R. Tolkien, cuja inspiração Feist reconhece no maravilhoso mundo de Midkemia. Propaganda demais não é bom sinal, nunca!
Livros tem uma imersão muito pessoal, e me basear no hype e na opinião coletiva já se mostrou um erro fundamental em algumas ocasiões, prejudicando totalmente minha leitura. Prefiro não ir com tanta sede ao pote e me surpreender positivamente após a leitura, a passar pela decepção de não achar o livro tão bom, ficando com a sensação de que poderia ter empenhado meu tempo com obras melhores. Um ponto negativo são aquelas traiçoeiras “propagandinhas” na capa. Aqueles trechinhos fajutos retirados de mídias como o London Times, o Publishers Weekly, ou outros veículos menos conhecidos por nós, brazucas. Coisas do tipo: “O livro de fantasia que faltava”, ou “desde O Senhor dos Anéis não me surpreendia tanto”, ou ainda “Dinamite pura...”. Sim, Mago: Aprendiz traz lá no rodapé da contracapa: “Uma fantasia épica repleta de ação eletrizante e heróis inesquecíveis.” – THE WASHINGTON POST. Será que a editora entende como isso aumenta as expectativas do leitor? Será que entende que, se essas expectativas não forem satisfeitas, o leitor ficará bastante contrariado? Ou será que joga com a hipótese de que possa influenciar na opinião de um comprador inconsciente, o que eticamente é muito reprovável. Cigarros podem precisar desse tipo de propaganda, não acho que livros deveriam se colocar no mesmo patamar.
Não há como negar que a obra é muito sincera ao entregar ao leitor uma legítima fantasia heroica, escrita por um autor que bebeu da mesma fonte que mestre Tolkien. Há magos, há goblins, elfos e dragões. Um mundo inteiro para ser desvendado, com as famosas florestas escuras, masmorras e segredos. Contudo, é a maneira como a história é contada que incomoda. Tudo é pincelado de forma muito superficial, na minha opinião. Acontecimentos que mereceriam aprofundamento são pulverizados com uma escrita apressada que beira ao resumo. Fatos importantes são suplantados com velocidade demasiada, atendo-se pouco as implicações psicológicas nos personagens ou com fatos paralelos que comumente concorreriam aos fatos centrais. Absolutamente não espere uma imersão muito grande se você for um fã de George Martin. A escrita de Raymond Feist é claramente direcionada a um público infantil/ pré-adolescente. O adolescente e, principalmente, o adulto, sentirão falta de um pouco mais de malícia, sangue e violência.
Mas vamos lá. Tendo em mente que a história não se aprofunda tanto, como um leitor mais exigente poderia preferir, Mago – Aprendiz se foca em dois adolescentes, Pug e Tomas, no mundo medieval de fantasia intitulado Midkemia. E todo mundo gira em torno desses dois heróis. Não de forma natural, se me entende. É que todos os adultos, os magos e os nobres, parecem sempre estar se interessando pelos assuntos deles, lhes dirigindo atenção e lhes paparicando de alguma forma. Ao invés de um pouco mais de credibilidade, deixando os adolescentes viver como adolescentes, tendo que conquistar seu próprio espaço e tendo as dificuldades da idade, Feist prefere nos entregar jovens idealizados, pouco críveis e descolados.
Seria de se esperar que fossem hostilizados ou, no mínimo, tratados com alguma indiferença pelo Duque e seus filhos, afinal são plebeus e pobres, mas na única situação em que isso ocorre, é porque a princesa Carline está de beicinho com Pug por ele não lhe dar bola e desdenhar suas tentativas de lhe fazer ciúmes. Mesmo Roland, um jovem nobre, que poderia ser um contraponto ideal como rival pela atenção da jovem dama (e um cliché óbvio), acaba fazendo amizade com Pug. O mais aceitável é que ele nutrisse um ódio mortal pelo rival, não seria não? Mas ficam amiguinhos e vão encher a cara juntos... Argh!
O autor peca também por explicar demais as coisas, não deixando muita margem para a cabeça do leitor funcionar e unir sozinho as pontas. Costuma descrever situações que por si só seriam entendidas. Ele parece não encarar com simpatia a ideia de que um bom texto deve se fazer entender, ao invés do autor ter que ficar explicando tudo. Vejamos: “Fulano olhou Sicrano com olhos cheios de ódio, pois não gostava dele”. Que porcaria de frase é essa, caro leitor? Se estou dizendo que Fulano olhava Sicrano com olhos cheios de ódio, será que tenho que dizer que Fulano fazia isso porque não gostava do outro? Isso não é óbvio? Com as devidas desculpas e tomando certo distanciamento comparativo, devo dizer que Feist escreveu o livro achando que nós todos temos nove anos e não conseguimos ligar lé com cré. Uma pena.
Além de tudo isso, ainda critico a falta de drama que o autor optou por adotar em sua escrita. As coisas vem e vão com muita facilidade, sem envolvimento maior, sem sofrimento, sem raiva! As lutas são assépticas, as mortes sem dor, as crises passam sem deixar cicatrizes. Tomemos como exemplo quando o anão vai atrás de Tomas, que se perdeu no túneis sob as montanhas. Ele o encontra sentado sobre um montão de tesouros, comendo peixe, ao lado de um grande dragão bondoso. Heim? Como assim? Um acontecimento super como esse pode ser tratado com tamanha trivialidade? Deveria haver uma descarga de adrenalina aí, gritos, correria, fogo, confusão. Mas não, o dragão conta sua historinha e, meia dúzia de páginas depois... Nem vou contar para não dar spoiler, mas não me agradou. Seria melhor que não tivessem metido esse dragão aí e acabou.
Mas o que temos de bom então, se até aqui só citei coisas negativas desse livro? Bom... Quando me pergunto se compraria o próximo da série, a única coisa que me vem à cabeça é um SIM (embora um pouco tímido), pois tirando essas particularidades ruins, a história é boa! Melhor ainda se você puder abstrair o fato de ser uma fábula direcionada para jovens leitores. Feist nunca deixa de ser criativo, mesmo quando fica no lenga-lenga entre Pug e a princesa Carline. O mistério envolvendo os tsurani, uns invasores extra-planares de algum tipo, que parecem estar querendo invadir Midkemia, promete render pano para manga. As coisas vão se encadeando e temos uma trama se armando aí, para nos pegar de jeito. Isso sim empolga e atrai leitores.
Mas, de novo, achei que a história ficou aquém do potencial dela. Os tsurani vem como um povo invasor de algum lugar que ninguém sabe, através de um portal dimensional. Eles travam batalha atrás de batalha e a única coisa que sabemos sobre isso são os relatos que Arutha, o filho do duque, ou Roland, o escudeiro e pretendente da princesa Carline, recebem de fora. Nesses relatos ficamos sabendo que os invasores foram rechaçados vez após vez. Esse é o problema: eles SEMPRE são rechaçados. Não há batalha que ganhem, contudo o autor conta (pra variar) de seu poder e como que eles já conquistaram uma área aqui e ali e estão ficando mais fortes. Como?
Na invasão ao castelo, em Crydee, temos enfim um envolvimento maior dos personagens na trama, tirando-nos da contemplação dos acontecimentos que vem da boca do narrador e nos permitindo um vislumbre deles, realmente atuando no enredo, ativamente. A história melhora aí, mas é um tal do autor adiantar as coisas de um capítulo para o outro que não dá para entender. Ele termina um e no próximo diz “...já haviam se passado três meses e os tsurani ainda estavam cercando o castelo...”. Dá a impressão que até o autor percebeu como sua narrativa é monótona e deu um jeito de resumir as coisas para nós.
Vamos ver no próximo livro Mago – Mestre, se as aventuras de Pug e Tomas tem um tratamento melhor. Não falta a elaboração de boas tiradas e ótimas ideias, mas seria bom vê-las melhor utilizadas. A ironia é que já vi dezenas de vezes alguém criticando Tolkien ou Martin, dizendo como eles levam duas páginas para descrever o cair da folha de uma árvore, esmiuçando fatos secundários, contando como o vento sopra, como o musgo cresce ou a diferença de uma tília e um bordo; mas descrição é exatamente o que falta ao mundo de Midkemia. Para mim fica absolutamente claro como se perde substância deixando tudo tão seco e direto, como faz Raymond E. Feist. E, antes que eu me esqueça: BBC, vai te catar! Um dos 100 melhores livros de todos os tempos??? Que absurdo! Chego a desconfiar se o tal cara da BBC que disse isso leu 100 livros na vida dele. Desculpem gente, mas o deboche é merecidíssimo. Gente, será que eu sou um troll e só estou vendo os aspectos negativos?
Só acho que, como leitor, não deveria ficar angustiado procurando a todo custo as partes boas, que me fizessem ver a genialidade da coisa toda. Esse não é o papel do leitor. O leitor paga uma boa grana para poder ficar confortavelmente sentado na sua poltrona para poder degustar de uma boa diversão (e nem digo aqui boa literatura, como apregoa a BBC). Acho que a diversão deveria vir sozinha, aos montes, deixando-me extasiado de emoções e deliciado com a escrita arrebatadora do autor. A ansiedade de encontrar o que é bom deveria ser substituída pela de querer ver a próxima página, por não conseguir parar de ler. Isso jamais acontece em Mago: Aprendiz. Um livro bem mediano, para todos os fins.